A publicidade PaulistanoCentrada dura quanto tempo?

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Se a imensa maioria das pessoas (e das empresas) está localizada em São Paulo, nada mais correto que as empresas de publicidade se basearem especialmente lá, né? Na verdade, não. 

Primeiro deixa eu te dar alguns dados. Segundo o Censo das Agências de 2022, realizado pela Operand, existem hoje pouco mais de 67 mil empresas que fazem publicidade no país. Isso mesmo, SESSENTA E SETE MIL. Isso sem contar MEIs e tudo mais, tá? Pequenas empresas que se descrevem, em alguma medida, como operadoras de publicidade/marketing. 

Destas 67 mil, 47% estão localizadas em São Paulo. São mais de 30 mil empresas de publicidade só em São Paulo. A terra das oportunidades, a capital financeira do país, onde uma parte das pessoas sonha em trabalhar, já que as oportunidades de carreira se concentram lá. Infelizmente, para essa indústria, eu não considero isso muito saudável não, e vou te contar algumas razões.

1. A falta de diálogo com o Brasil

Mesmo que às vezes a gente não perceba, a marca centralizada em São Paulo vende produtos também no Norte. No Nordeste. No Sul. E aí, você já pensou que por anos, TODA publicidade que você via na TV, foi criada na mesma cidade? No mesmo bairro? (às vezes até no mesmo prédio?).

E você pode contra-argumentar “ah, mas isso é assim em todas as áreas, tudo fica centralizado em SP”. É aqui que eu vou te trazer a primeira vez nesse texto o argumento: “mas aqui é publicidade, gente”.

Veja, a missão da publicidade é dialogar com as pessoas. Entregar mensagens relevantes, que façam sentido para quem está considerando uma compra. E, tanto quanto eu, você sabe que a publicidade feita pelas mesmas pessoas homogêneas, geram produtos finais tão pasteurizados que são facilmente ignorados. 

A publicidade genuína e legitimamente passou a debater (com atraso) a inclusão de pessoas negras, mulheres, PCDs e outras minorias e grupos minorizados, e isso deu um fôlego pra ela. Eu não quero dar isso como resolvido, ainda há muito para caminhar, e tampouco comparar estas pautas. Mas debater essa centralidade das pessoas de SP trabalhando para marcas do país inteiro também é fundamental se a publicidade quiser se descentralizar e dialogar de fato com o país em que está. Do contrário ela se ensimesma. Fica tudo rodando em torno de um sotaque específico, de um bairro específico.

Você pode novamente me contra-argumentar: “ah, mas existem muitas pessoas de fora de SP trabalhando nas agências de SP. Isso dá esse molho aí”. Então, agora eu vou te contar porque, talvez, essa não seja a melhor estratégia.

2. O êxodo forçado dos profissionais de outras regiões

Em São Paulo, concentra-se o maior investimento de mídia e das grandes marcas do nosso país. Os maiores salários (e também o maior custo de vida). Isso acaba fazendo com que inúmeras pessoas formadas em publicidade direcionem sua carreira, tendo que evadir de seus lugares de origem para poder sonhar com uma vida melhor. E porque as melhores oportunidades ficam centralizadas pela verba das grandes marcas.

Lá vem ele. O argumento “mas aqui é publicidade, gente”

A publicidade precisa manter esse traço cultural de todas as regiões do país, porque precisa dialogar com todas as regiões. E esse êxodo forçado vai matando aos poucos esses traços culturais. Você desloca um/a profissional de sua cidade natal, ao invés de mantê-lo lá, para colocá-lo/a na mesma mesa que mais 9 paulistanos. É óbvio que toda a riqueza cultural, que faria aquela marca dialogar com a sua região, será abafada. E tudo fica com essa ótica generalista para funcionar em todas as regiões, mas na verdade, não fala com nenhuma, só com SP.

3. As oportunidades de criatividade e negócio concentradas em poucas marcas

Mas além disso, o que mais pesa nessa relação, na minha análise, é a concentração de visão e negócios pelas mesmas cabeças. O dinheiro rodando na mão das mesmas pessoas. 

Você já sabe né: “mas aqui é publicidade, gente”. Você lembra que a grande contribuição da publicidade para a sociedade é fazer a economia girar, né? Pois eu preciso te dizer que a roda da economia não gira só em SP, tá?

Essa concentração de riqueza apenas em um estado, em uma cidade, direciona todas as escolhas de parceiros de negócio e decisões de negócio apenas para esse eixo do país. E isso é saudável até quando? Veja, ela vem se sustentando bem até aqui, muito bem obrigado. Só que até aqui ela não tinha esse entendimento de que precisa ser plural e inclusiva para ter melhores resultados.

Pensando nisso, tendo isso em mente, você acha que a publicidade consegue continuar com essa visão paulistanocentrada de mundo? Eu acho que não deveria. Se a gente entendeu que a inclusão vende, quanto estaríamos vendendo a mais, com os sotaques certos, nos lugares certos?


E além disso, as limitações criativas disso, como ficam? Uma professora minha sempre dizia: “fazer chorar com construção de marca é fácil. Eu quero ver gerar emoção vendendo frango a passarinho a R$ 2,99 o kg só hoje”.

Essa limitação criativa que essa centralidade traz, colocando as grandes marcas com possibilidade de ter grandes ideias exclusivamente em São Paulo, e todo o resto do país precisando lidar com a propaganda promocional mesmo, que de fato se conecta com o público que compra, é uma relação muito desfavorável pra quem tem todo esse potencial criativo, dos confins de um país desse tamanho.

Essa centralidade da publicidade em São Paulo mata o potencial criativo do Brasil.

Como resolvemos isso?

Eu já fui muito cobrado por tretar e não propor o que eu acho que sejam as soluções (rsrs). Eu sinceramente não me apego muito por isso. Não acho que quem faz a crítica é o responsável por “fazer melhor então”. Isso é bem falacioso na realidade. Mas vamos lá. Vou sugerir ações pragmáticas que, pra mim, deveriam ser prioridades para as marcas. 

  1. descentralizar seus investimentos de produção com parceiros de negócio de outros estados. Especialmente sair da visão sudestina de executar publicidade.
  2. Direcionar parte do trabalho criativo de suas campanhas para agências/freelancers de fora do eixo. E não deixar apenas o trabalho mecânico (desdobramentos) para estas empresas.
  3. Não tirar as pessoas de seus lugares nativos. Se você encontrou o talento fora do eixo, e for vontade da pessoa, possibilite que ela se mantenha lá. Pós pandemia não há argumentos que digam que isso seja impossível. 
  4. Crie polos da marca/agência em outros lugares do país. Não estamos necessariamente falando de uma filial. Mas sim um centro com 5 ou 10 pessoas que não estão baseadas em SP.
  5. Se valha da mídia local. Dialogue com empresas locais de mídia, para também não centralizar suas escolhas de mídia baseadas no mesmo olhar.

Eu sei o que você tá pensando. Essas não são medidas simples, são reorganizações complexas que demandam também investimentos. E você tá certo/a. O ponto aqui é: mudar para algo melhor, dá o dobro de trabalho mesmo, do que só manter. Agora, quanto tempo uma marca tem se só se mantiver, e não conversar com o resto do país em que está?

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