Artistas como heads de áreas criativas e de marketing

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Essa coluna vai ser bem reflexiva e opinativa. Um pouco diferente das que vem rolando até aqui nesta coluna. Não vão ter muitos dados, nem pesquisas sobre o futuro. Só reflexões sobre o trabalho da nossa área de publicidade. E já adianto que, mais uma vez, eu não tenho muitas respostas para estas perguntas que eu vou fazer aqui.

Em um movimento recente a gente começou a ver a multiplicação de artistas sendo contratados como diretores e diretoras de áreas criativas dentro de marcas. Primeiro eu vou te dar alguns exemplos: Em 2020, a cantora Iza foi contratada como diretora criativa da marca Olympikus. Nesse contrato estava previsto também aparições da cantora nas redes sociais e uma proximidade maior com a marca. Em 2021 o apresentador Rodrigo Faro virou head de marketing institucional da EMS. Segundo matéria publicada pelo Meio e Mensagem, o ator e apresentador participaria “ativamente de reuniões de comitê e do planejamento de marketing e comunicação da empresa”. Em fevereiro desse ano, Juliette foi nomeada como head de inovação da Mondial.

Será que eu estou esquecendo alguém? Você achou que eu esqueceria dela né? J A M A I S. O caso da Anira com Skol Beats é um exemplo marcante para esse tipo de contrato, que atua como “head de criatividade” desde outubro de 2019. Alguns dados são bastante impressionantes. Segundo a SocialBakers, depois que Anitta assumiu, os números do perfil de Beats subiram 47%. E a média mensal de interações que era de 27 mil, durante o lançamento da primeira campanha com a artista, atingiu mais de 400 mil pessoas, segundo dados da Exame.

Mas o que deveria se esperar de um head de criatividade ou marketing?

Primeiro vamos tirar algo do caminho: obviamente esse texto não pretende em nenhum momento questionar a capacidade destes e destas artistas. Aqui não entramos na lógica do potencial criativo destas pessoas, mas sim, na rotina destas vagas e o que se espera, “comumente” das pessoas que ocupam tais cargos, e como isso acontece dentro do mercado. 

Estamos falando de uma vaga que, na maioria das vezes, é ocupado por profissionais com habilitação em alguma área de comunicação, e que também possuem um histórico de trabalho em marcas, agências ou veículos. Pessoas que lidam diariamente com outros desafios de comunicação, e também com outros parceiros de negócio, na resolução de desafios de comunicação da marca.

Eu sei, esse parágrafo foi só um jeito complexo de dizer que: chegar nesses cargos carrega consigo também uma aprovação do mercado como um todo de alguém que estará envolvido diretamente nas decisões da marca, mas o mais importante, uma função gerencial de área que afetará diretamente no trabalho E CARREIRA das pessoas da equipe.

E esse é um dos primeiros pontos que me faz ter um monte de dúvidas sobre esse tipo de contrato. Porque as pessoas dessas equipes vão estar diretamente ligadas a este/a artista, e como vão se reportar, ter dúvidas, trocar ideias, pedir aprovações? E mesmo que neste contrato não esteja previsto o gerenciamento de carreira dos profissionais da equipe, obviamente a gente tem que entender que a carreira do artista também não vai parar. Então veja, essa head vai estar ali nas reuniões, nos planejamentos, nas prototipações, no dia a dia mesmo? Ou vai ser uma líder distante, que não consegue ter um diálogo efetivo?

Novamente, isso não diz respeito à capacidade da liderança, mas sim a sua própria rotina.

Então essas pessoas não poderiam assumir?

Isso significa dizer que então artistas não deveriam assumir estes postos? Veja bem, eu tenho tantas dúvidas quanto todo mundo, mas vocês sabem, o meu rolê aqui e o que eu faço no meu projeto de conteúdo (inclusive, se você não me segue, dá essa moralzinha lá) é tentar olhar pelo lados dos e das trabalhadoras que constroem essas marcas. 

E sinceramente, eu não consigo deixar de pensar nas pessoas que estão lá almejando essa vaga, dando diariamente o seu melhor para, quando essa vaga estivesse disponível, pedir uma promoção, ou mesmo outras pessoas do mercado almejando e se preparando diariamente para vagas como essa.

E aqui a gente chega em um ponto delicadíssimo que está diretamente ligado a isso. O ensino formal das habilidades que essas vagas requerem. Não dá pra gente ignorar que a maioria dos e das profissionais do mercado dedicam boa parte de suas carreiras ao estudo e a especialização de suas habilidades almejando essas vagas. De novo, isso significa dizer que estes e estas artistas não tem tais habilidades? Não, certamente os conhecimentos necessários hoje pra desempenhar um trabalho legal, não vem só do ensino formal, de uma graduação na área ou cursos livres, etc. 

Até porque, veja, um detalhe que eu não te contei, você sabia que a Iza, que foi até maio deste ano, diretora criativa de Olympikus, é formada em publicidade? Mesmo ela não tendo atuado por muitos anos na área, trouxe da sua carreira habilidades que podem ser importantes para uma liderança criativa. Não dá pra sermos ingênuos e acreditar que em uma sociedade líquida como a nossa, os cargos também não seriam, né? Uma certa relativização a gente entende.

AGORA, por outro lado, a gente precisa entender que isso certamente pode gerar sensação de desconforto e de questionamento nas pessoas à volta destes cargos, se de fato o estudo e dedicação requerido está de acordo com o que é desejado para determinadas vagas. E esse sentimento também é genuíno e legítimo.

Mas então, é só para o release?

Ah, e pra finalizar, a gente também não pode ser ingênuo de acreditar que este tipo de contrato também não é mais baseado em dois pilares importantes. O primeiro deles é o empréstimo da imagem do artista para a marca. 

Alguns influenciadores e celebridades entenderam que o contrato de publi, aquele que a gente costuma ver, ainda que possa ser rentável, é rentável uma vez só. Mais interessante é ser remunerado de forma recorrente sobre os lucros que gerar com sua imagem para a marca, através de ações e um papel estratégico nas decisões. Assim, obviamente, um cargo de executivo na marca ou liderança faz muito mais sentido. 

Se a gente imaginar que um contrato de publi seria pago pelo uso de imagem dentro de uma campanha específica, e nesse modelo, todas as campanhas que a marca estiver, poderão contar com a imagem da celebridade, uma vez que ela é funcionária da empresa e também ganha quando a empresa ganha, claro que tudo parece fazer mais sentido. E sobretudo, parece dialogar mesmo com o momento atual, e os esforços que marcas precisam fazer para fugir de um planejamento criativo montado baseado em timelines e aparições pontuais. 

Mas de novo, é importante voltar no ponto inicial que está ligado ao trabalho e desenvolvimento dessas campanhas. No caso da Juliette por exemplo, o que se espera de uma head de inovação, era de fato alguém que tivesse habilidades de desenvolvimento e produto e pudesse gerenciar tais ideias, e não só uma celebridade que consiga dialogar com a comunidade compradora. Então olhar para este tipo de contrato só como uma nova forma de contratação de um influenciador, me parece muito raso.

E a segunda coisa a lembrar é que este tipo de contrato também tem um interesse na própria conversa gerada em torno da contratação em si. Tem um importante ativo de PR aí, que gera muitas conversas em torno desse movimento, uma vez que não era comum esse tipo de contratação no mercado. 

Eu estou dizendo com isso que esses artistas não irão cumprir o papel pelo qual foram contratos? De forma nenhuma, longe disso. A gente tem visto exemplos que trazem de fato mais resultados para as marcas. Mas é importante a gente ficar atento se esse tipo de contratação não pode desvalorizar o próprio trabalho de quem está ali, dia após dia, investindo no conhecimento necessário para atingir essas vagas. E também, se a rotina destas lideranças não influenciará a carreira dos profissionais originalmente das áreas de comunicação, que estão no entorno destes cargos, uma vez que não estamos falando só de resultados comerciais, mas carreiras inteiras envolvidas no processo também.

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