Num mundo em que polêmica vende, quem cancela o cancelador?

Capa para artigo de Poli Lopes sobre cultura do cancelamento
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Quem curte acompanhar a vida, o mundo e as fofocas pelo Twitter deve ter acompanhado duas tretas que, claro, acabaram repercutindo também fora da rede do passarinho. O #marmitagate (eu poderia ficar um tempão explicando, mas prefiro indicar que tu ouça o Diário de Bordo, que ajudam a gente a dar umas risadas ao mesmo tempo em que passa raiva com a história, que inclusive foi parar na polícia). E também a campanha da Arezzo com Jade Picon e a falta de representatividade (o Mundo do Marketing falou aqui, o BuzzFeed fez um compiladão de tweets questionando a história por diferentes perspectivas, mas é só abrir o Linkedin que lá tá cheio de xingamentos, críticas e análises aprofundadas – e talvez haja ironia por aqui).

Eu gosto muito do ponto que o Mundo do Marketing destacou: polêmica vende? Tá, a resposta é sim. Vende, gera clique, engajamento, performance… E, por consequência, a pessoa ou a marca são canceladas. Mas e o que isso significa, na prática? Até quando a gente vai “lembrar” disso? Já que juntei Arezzo e cancelamento na mesma frase, quem já estava na ativa quando a marca colocou na rua a PeleMania – e causou esse auê aqui? 2011, gente, faz 11 anos, já – e a rancorosa aqui sempre lembra desse rolê.

O cancelamento é sobre quem cancela

Eu gosto bastante desse texto de 2020 da Flavia Lima, então ombudsman da Folha, sobre a cultura do cancelamento. Ao mesmo tempo que se faz mais do que necessário questionar, principalmente posicionamentos racistas, homo e transfóbicos, xenofóbicos, machistas, ou seja, qualquer forma de preconceito, talvez devamos pensar no limite desse cancelamento. Muitos canceladores pregam o silenciamento e eu concordo que se lute contra falas preconceituosas – preconceito NÃO É opinião. Porém, nem todo cancelado é preconceituoso, às vezes apenas coloca uma opinião contrária a um grupo específico. Todos que erram, o fazem pela perspectiva de quem? E precisam ser silenciados? Ou podem ser confrontados e questionados, para a partir desse erro, reverem seus pensamentos? 

Texto do psicanalista Christian Dunker publicado na Revista Gama nos provoca a refletir sobre isso: “A cultura do cancelamento aprofunda e radicaliza a prática da lacração, entendida como pronunciamento contundente e definitivo que tende a silenciar o outro.” Dunker vai além e diz que “o cancelamento funciona como uma maneira de fazer justiça vingativa e narcísica com as próprias mãos — nesse caso, com os próprios dedos”, ou seja, não é apenas sobre o outro – é sobre quem cancela, sobre a forma como nos reconhecemos versus o que vemos no outro. Ou seja, como qualquer ato comunicacional, passa pelos conceitos de identidade e alteridade. Quando cancelamos, mantemos em pé o muro que invisibiliza o outro que é muito diferente de mim.

Joel Pinheiro da Fonseca reforça que esse cancelamento passa pela forma como somos moralistas. Para ele, “ser um pouquinho menos “morais “(ou moralistas) nas discussões nos ajudaria a construir uma sociedade melhor”, porque uma imposição autoritária e agressiva de um ponto de vista promove uma perigosa uniformidade de pensamento – que é perigosa para qualquer lado.

Lembrei desse estudo da Mutato que analisou 35 pessoas que foram canceladas nas redes sociais entre 2018 e 2020 e analisou dados online para entender quais mecanismos levam aos cancelamentos e os reflexos desse comportamento para as marcas. Nesse contexto, são citados três tipos de cancelamento: o boicote, normalmente relacionado à política, marcas e pessoas; ban e close errado, que é um movimento informal que pode atingir anônimos e famosos; e o linchamento virtual e cancelamento, também informal, normalmente é desencadeado pela ocorrência de um ou mais closes errados.

A cultura do cancelamento

Bem, é isso. Toda semana (senão todo dia) alguém é cancelado. Pode ser uma empresa, uma pessoa, qualquer um que faça algo negativo e que chame a atenção de um grupo mais ativo no digital (alguns chamam de barulhento). E eu não tô fazendo juízo de valor aqui – até porque, não importa qual seja a tua bolha, tu sabe de quem eu tô falando! Cancelamentos são uma crise de imagem e precisam de posicionamento, timing e bom senso. Eu escrevi um texto sobre cancelamento e gestão de crise em 2018 e como ele segue super atual, resolvi trazer aqui, é só clicar pra ler.

Imagem ilustrativa da série The Handmaid's Tale (Paramount), para artigo de Poli Lopes sobre cultura do cancelamento
Até que ponto apontar o dedo e julgar é a melhor opção? (Reprodução/Paramount)

Quando eu penso em cancelamento e na polarização que eles muitas vezes representam, eu lembro das gurias do podcast Mamilos, que ressaltam a importância de construir pontes ao invés de provar pontos. Até que ponto apontar o dedo e, aos berros, julgar e silenciar quem pensa ou age diferente do grupo vigente é a melhor solução? Ou há momentos em que a conversa, a troca não resolve mais e cancelar é o caminho correto? 

Talvez você, que me leu até aqui, tenha buscado uma resposta. Mas hoje eu dei uma de mãe (minha amiga Queli disse que faz isso com os filhos dela): respondi tua pergunta com outra pergunta porque não sei a resposta – e, já que não estamos nos cancelando, propor a troca é uma boa opção.

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