Aproveitando ainda o clima da Copa do Mundo, quero trazer uma história que contei no capítulo 14 do meu livro “Conversas Acolhedoras”, que lancei no ano passado.
Nesse capítulo, eu descrevo o dia que eu aprendi que acolhimento é para os fortes e queria compartilhar essa experiência com vocês, caros leitores.
A raiva sempre foi um sentimento que eu tentei evitar, mas nunca tive um desafio tão grande como agora, com a perda da minha mãe. Um dos dias que eu mais senti raiva na minha vida foi em maio, pois soube que a Copa América seria disputada no Brasil. O rápido apoio e mobilização do governo me atingiram em cheio. Um país que lidou com a pandemia de forma desastrosa, quando viu uma oportunidade de fazer uma ‘média’ com o povo, fez tudo com a agilidade que eu gostaria que tivesse tido pra comprar vacina.
Não foram os jogos que me incomodaram, afinal de contas, o futebol vem acontecendo no Brasil (e precisa acontecer).
Meu ponto sempre foi o de que a prioridade estava errada e, evidentemente, foi uma decisão politiqueira. Não era uma competição que agregaria em absolutamente nada, não éramos a sede original. Enfim, não tinha um motivo racional, apenas de interesses.
Nesse dia, deixei claro que era contra a realização da Copa América no Brasil e hoje sigo com a mesma posição. Ela não devia ter acontecido do jeito que foi.
No início dessa história (no livro), comentei que meu cunhado é jogador de futebol e mora próximo a São Paulo. Então, além disso, a Fernanda, minha esposa, trabalha gerenciando a carreira dele desde 2017. Ou seja, além da ligação pessoal, ela também faz parte da carreira dele. Era uma sexta-feira, 25 de junho, e ainda estávamos em Porto Alegre quando o telefone dela tocou. Do outro lado da linha, a notícia mais incrível deste ano (e de toda a carreira dele – e dela): um jogador da Seleção havia se machucado e o Léo seria convocado no lugar dele para jogar a Copa América. O mesmo torneio a respeito do qual eu fui contra, por causa da maneira como ocorreria, agora era a realização de um sonho para a nossa família.
Explodimos de alegria, mal dormimos naquela noite. Naquele final de semana, quando foi anunciada a convocação, foi uma loucura, uma explosão de felicidade, orgulho, uma sensação indescritível! Mas desde o momento em que o telefone tocou, eu pensava: Putz, mas eu sou contra esse torneio e agora estou aqui todo feliz. Decidi que não iria falar nada, que apenas estaria ao lado da minha família nessa realização, iria curtir, apoiar a Fê, o Léo e viver esse sonho tão esperado por todos. O Brasil foi avançando e se classificou para a final contra a Argentina no Maracanã e alguns convidados (inclusive os familiares) receberam autorização do Governo e do Ministério da Saúde para comparecer ao jogo.
Novamente, pensei: Eu sou contra e agora irei ao estádio? Mesmo vacinado com as duas doses, mesmo com PCR negativo, mesmo que aquilo fosse autorizado pelas autoridades sanitárias, eu sabia que seria incoerente da minha parte ir e o fiz de forma consciente. Inclusive, fiz questão de mostrar que estava lá, pois o que seria falta de caráter, seria ir escondido.
Daquela noite, vou me lembrar para sempre de duas cenas: a primeira delas foi a minha entrada com a Fê e a Nina no Maracanã, o maior templo do futebol mundial para assistir a uma partida da Seleção Brasileira de que o Léo fazia parte. Era como um sonho. Ao entrar no estádio, a Nina olhava e sorria muito para tudo aquilo que via. Eu não contive a emoção! Para um apaixonado por futebol, esse vai ser um momento que nunca mais vou esquecer.
Mas, alguns minutos depois, o vazio ensurdecedor do minuto de silêncio me levou às lágrimas mais uma vez. Senti que aquela homenagem, naquela Copa, que não deveria acontecer, também era para ela. Não carrego nenhum tipo de peso por ter feito isso, pois assim somos todos: incoerentes. A diferença é que alguns de nós vão passar a vida toda como os donos da verdade, e estes devem ter se deliciado com a encruzilhada na qual me coloquei, mas faz parte do jogo. E aqui mora, para mim, o ponto mais importante dessa história: todos temos nossas incoerências, mas poucos as assumem.
Eu vou me lembrar para sempre dessa Copa América, que não deveria ter acontecido. Mas que, ao acontecer, trouxe uma das maiores alegrias que já senti. Assumir essa incoerência para você, ao contar tudo isso, é meu dever. Pois, acredito em um mundo mais acolhedor e transparente, preciso compartilhar o que penso e ter a ciência de que se posicionar é estar vulnerável. Assim estou.
A vida, definitivamente, não é uma linha reta.