Não tem como falar da importância das pessoas nesse multiverso da (cada vez maior) loucura que é o marketing sem citar o paizão Philip Kotler. Até porque, como ele mesmo diz, “o objetivo do marketing é sempre melhorar a vida das pessoas e contribuir para o bem comum”. A gente vende? Sim. Mas não é só isso.
Em 2009, Kotler e seus parceiros Hermawan Kartajaya e Iwan Set Iawan publicaram Marketing 3.0 – As forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano, livro (primeiro do que acabou sendo uma trilogia), no qual apresentaram a transição vivida até então do marketing centrado no produto (1.0) para o marketing centrado no consumidor (2.0) e, depois, para o marketing centrado no ser humano (3.0), marcando o estágio final do marketing tradicional.
Mas eles não pararam aí, né? Porque a tecnologia seguiu evoluindo exponencialmente, nossos hábitos de consumo de mídia também e, junto, a forma como nos relacionamos, compramos, nos deslocamos e habitamos, fazemos listas de compras, ouvimos músicas, assistimos tv… “O mundo mudou, bem na minha vez”, como diz o Dado Schneider, e o marketing obviamente mudou junto e chegou ao que Kotler definiu no Marketing 4.0 – do tradicional ao digital, em 2016, marketing no mundo digital, que não se baseia apenas em mídias e canais digitais, em uma abordagem omnichannel (tanto online quanto offline) que permite a inclusão de quem não têm acesso à internet.
O detalhe é que, por mais que tecnologias como realidade virtual e aumentada, inteligência artificial (IA), o processamento de linguagem natural (PLN), tecnologia sensorial e internet das coisas (IoT) já existissem, ainda não eram uma prática corrente quando o livro foi escrito. Mas se entre o marketing 3.0 e o 4.0 foram necessários 7 anos, do 4.0 pro 5.0 foram necessários menos de 4 anos – e uma pandemia.
Sim, a gente viveu na pele o impacto global da Covid-19, as mortes, o isolamento, o caos na saúde, a cobrança por vacina. E no meio disso tudo os mercados e os profissionais tiveram que se adaptar a uma nova realidade, digital e sem contato. E foi esse cenário que Kotler entendeu como o ideal para apresentar o Marketing 5.0 – tecnologia para a humanidade, que vislumbra o investimento das empresas em estratégias, táticas e operações de marketing usando essas tecnologias avançadas, preferencialmente para o bem da humanidade.
Sintetizando o conceito,
“Marketing 5.0 é a aplicação de tecnologias que mimetizam o comportamento humano para criar, comunicar, entregar e aumentar o valor ao longo da jornada do cliente.”
Mas não é só tecnologia, né? Tem gente nessa parada!
Onde ficam as pessoas no marketing 5.0?
Fiz essa linha do tempo dos “marketings do Kotler” porque, quando pensamos nas pessoas, precisamos entender o que elas já viveram ou ainda estão vivendo. Até porque quero, agora, fazer um paralelo entre as gerações que ocupam o planeta Terra, convivendo, aprendendo e ensinando, reclamando, e testando as tecnologias e acompanhando sua evolução, muitos sem entender – ou, pior, sem ter acesso ou ciência de sua existência – ou se colocando como early adopters.
O abismo entre gerações é um dos desafios a ser encarado pelo marketing 5.0, pois temos cinco gerações vivendo juntas contrastando atitudes, preferências e comportamentos. No mercado de trabalho, temos baby boomers (nascidos de 1946 a 1964) em presidências e posições em conselho, pessoas X (1965 e 1980) em cargos de liderança, os Y (1981 e 1996) ocupam vagas mais táticas (e operacional) e os Z (1997 e 2009) é o entrante, o operacional (fechamos as gerações com os Alfa, nascidos a partir de 2010 e que ainda não estão no mercado de trabalho). Aí diz: como empresas que enfrentam internamente uma desconexão entre executivos mais velhos e gerentes e clientes mais jovens vão resolver esse embate?
Trazer um exemplo bem pontual para ilustrar melhor o tamanho do problema. Pensa na estética do conteúdo do Instagram da marca: para geração Y, ele precisa fazer sentido no conjunto, o grid tem que ser harmônico; já pra geração Z não precisa, porque a coisa mais caótica é de verdade e sem filtro. A primeira coisa que devemos pensar na comunicação da marca é, obviamente, em como distribuir os ovos em diferentes cestas e, pra isso, tem que entender qual plataforma de relacionamento vai ser usada para falar com qual pessoa. Mas marketing não é só isso, lembra?
Lendo essa parte do livro me veio claramente a Renner à mente, com seus desdobramentos das marcas em novos negócios como alternativa para resolver esse BO. Por que dividir espaço em um mesmo ponto de venda entre a YouCom e a Marfinno se eu posso transformar a YouCom em uma grife com a chancela Renner? Eu nicho o posicionamento e direciono todos meus esforços de marketing enquanto mantenho a reputação da marca-mãe. E essa segue atendendo as necessidades de homens e mulheres, de baby boomer a Alfa, personalizando as estratégias de marketing às especificidades de cada ponto de contato com os clientes em potencial.
Vem aí: o ano da colaboração no marketing
Olhando para o cenário que está se armando, pela perspectiva de Kotler, a palavra que mais fará sentido nos próximos anos é colaboração. Se a geração X, única que conheceu os marketings 1.0, 2.0, 3.0 e 4.0 ao longo de diferentes fases da vida, vai assumir os postos de liderança no mundo do marketing, ela vai precisar de colabs com gerentes da geração Y para atender aos anseios das gerações Z e Alfa. E essas duas últimas, juntas, vão impulsionar o Marketing 5.0 a partir de sua preocupação sobre como a tecnologia pode empoderar e aprimorar as pessoas, melhorar suas vidas. Para triunfar, vai ser preciso conectar, unir, fazer todo mundo pensar junto. Ou seja, construir pontes para acabar com os abismos de hoje.