Você consegue imaginar como os pintores reagiram quando surgiu a fotografia? Bem, não foi muito diferente da reação de muitos profissionais criativos diante da Inteligência Artificial. De fato, o advento da fotografia na primeira metade do século XIX gerou muitas discussões e debates sobre a arte e a maneira como pensamos a representação da realidade.
Por exemplo, o filósofo francês Baudelaire chamou a fotografia de “inimigo mais mortífero da arte”.
Pode parecer uma reação exagerada da parte dele (e realmente é), mas muitos outros intelectuais também compartilhavam a mesma opinião. O raciocínio era simples: por que pintar quadros para representar a realidade se a fotografia consegue fazer isso de maneira mais rápida e precisa?
Dois séculos depois
No entanto, mais de 200 anos se passaram, e todas as previsões de que a pintura acabaria não se concretizaram. É evidente que a pintura não tem mais a mesma hegemonia de antes; entretanto, convive pacificamente com a fotografia, cada uma com seu propósito.
Hoje, temos câmeras espalhadas por todos os lugares, registrando tudo quase em tempo real, seja para postar nas redes sociais, seja para guardar em uma pasta no drive que raramente abrimos.
Como a fotografia se popularizou e está ao alcance de todos, ela deixou de ser algo escasso.
Por exemplo, meus pais, nascidos na década de 1950, quase não têm registros da infância e adolescência. Já meu primo, que nasceu nos anos 2000, tem fotos até dos seus momentos mais banais.
Isso mostra que, no passado, em meio a todo aquele debate, muitas pessoas não consideraram o fator da imprevisibilidade. O medo do novo nos faz imaginar os piores cenários possíveis. Quase sempre é assim: surge uma nova tecnologia e, imediatamente, pensamos em quantos empregos serão perdidos.
A destruição criativa
Isso, de fato, até pode acontecer, e é o que o economista austríaco Joseph Schumpeter chamava de destruição criativa, uma dinâmica de mudança contínua, onde novos produtos e serviços substituem os antigos, de forma total ou parcial.
Com a Inteligência Artificial, portanto, não será diferente. Uma pesquisa da Page Interim aponta que 76,6% dos brasileiros acreditam que a IA afetará parcialmente os postos de trabalho na área em que atuam. Eu diria que esse número é até baixo, considerando como inteligências artificiais generativas, como o ChatGPT, estão presentes em nossas vidas hoje. O fato é que não tem mais como parar.
E voltando ao debate do início deste artigo, a pintura como arte se adaptou a um mundo onde a fotografia “tomou” o seu lugar. Novos estilos e movimentos artísticos surgiram, buscando inclusive ir na contramão do que a fotografia propunha.
E talvez esse seja o destino, tanto de profissionais criativos quanto não criativos: adaptação seguida de transformação.