Essa é a terceira entrevista conduzida por Daniele Lazzarotto, Fundadora e Diretora de Estratégia na Cordão, durante o Web Summit Lisboa 2024. Você também pode conferir as entrevistas anteriores, com Dan Gardner e Joey Camire, disponíveis no Portal Share.
Estar no Web Summit Lisboa 2024 foi uma oportunidade incrível de conexão. Por meio da parceria com o Share, realizei entrevistas exclusivas com grandes nomes do evento. Uma dessas conversas foi com Stephanie Fried, líder de marketing da Fandom, uma das maiores plataformas globais dedicadas à comunidade de fãs.
Durante nosso bate-papo, Stephanie trouxe reflexões sobre como as marcas podem aproveitar o poder dos fandoms, os riscos de uma conexão superficial com os fãs e as oportunidades oferecidas pela inteligência artificial.
Falamos também sobre estratégias para marcas endêmicas e não endêmicas, os desafios emocionais do fandom esportivo e o papel da tecnologia na criação de comunidades mais engajadas.
Acompanhe, a seguir, a entrevista completa com uma das mentes mais brilhantes do marketing voltado para os fãs.
Daniele Lazzarotto: A primeira coisa que quero perguntar é bem direta: como as empresas podem incorporar esses fandoms em suas estratégias?
Stephanie Fried: Depende. Temos dois grupos diferentes de anunciantes. Temos o que chamamos de anunciantes endêmicos (ou seja, aqueles que já fazem parte do ecossistema de jogos e entretenimento, como estúdios de cinema ou desenvolvedoras de games), que são anunciantes que trabalham em jogos e entretenimento. Assim como a Paramount, a HBO ou a Netflix. Essas são marcas que fazem e distribuem programas de televisão e filmes ou empresas como a EA Blizzard, que fazem e distribuem videogames. E eles entendem obviamente o valor dos fãs, e estão tentando alcançá-los como seu público, bem como o público de seus concorrentes. Nós os ajudamos a entender as diferentes partes desse ecossistema e onde elas se sobrepõem.
Mas, também temos muito valor que podemos fornecer no espaço não endêmico, que são as marcas que não são empresas de jogos ou de televisão, mas entendem que jogos e jogadores são importantes, por exemplo, e querem alcançar esses fãs. Eles querem ativar a marca em torno disso, mas têm muito que aprender antes disso, tipo: com o que os jogadores se preocupam e até mesmo entender sobre ecossistema de jogos, dos tipos de jogos, dos temas dentro deles. Nesse caso, ajudamos essas marcas a conhecer mais profundamente quem são esses públicos. Por exemplo, minha empresa, Fandom, trabalha intensamente com clientes não endêmicos, como marcas de CPG ou automóveis, para entender o que importa para os jogadores e como alcançá-los.
Daniele Lazzarotto: E existe o risco de trabalhar com fãs quando uma marca quer abraçar esse fandom? Existe algum tipo de risco,, que marca continua a evitá-lo?
Stephanie Fried: Pois é, há muitos riscos, sabia? Acho que você sabe, ontem eu estava falando sobre como os fãs se sentem sobre as marcas fazerem parte de seus fandoms. 80% dos fãs querem que as marcas apoiem seus fandoms, ajudando a trazer novos conteúdos ou extensões de suas franquias favoritas. Mas apenas um terço deles acha que as marcas estão fazendo isso da maneira certa.
Há várias maneiras diferentes pelas quais as marcas podem se envolver com jogos e programas de TV. Algumas fazem o que eu chamo de “colocar um logotipo”, que é algo patrocinado por seja lá por quem for. E isso geralmente significa que eles estão pagando dinheiro para produzir algo que não é integrado à razão pela qual as pessoas estão lá naquele espaço. Acaba sendo muito vago, e pode ajudar com a lembrança de marca em geral, mas acho que não vai ter o mesmo efeito do que se a marca realmente prestar um serviço aos fãs.
Por exemplo, em jogos, muitos dos conteúdos que vemos são dicas e truques, como tentar entender como você chega ao próximo nível daquele jogo que você está jogando. E então, quando as marcas ajudam, produzem e criam esse tipo de conteúdo especializado que vai ao cerne do que os jogadores estão procurando – e faz isso de uma forma divertida e conectada. E essa é definitivamente a melhor maneira de fazer isso. É preciso entender quais são as necessidades dos fãs, o que eles estão procurando, porque jogam aquele jogo e, em seguida, trazer isso para o programa e mensagens associadas.
Daniele Lazzarotto: uma curiosidade que tirei da sua palestra ontem. Eu sou do Brasil e aqui o futebol é enorme. Me surpreendeu os dados que você mostra, que as pessoas ficam ansiosas e talvez com raiva assistindo ao futebol de verdade, mas se sentem relaxadas jogando um jogo de futebol. Você tem um pouco mais de dados sobre isso?
Stephanie Fried: Vou te contar uma história. Estive em Lisboa no início deste ano e fui ver um jogo de futebol: Porto contra o Manchester United. Os torcedores do Manchester United, os locais ou que vieram da Inglaterra, tinham que ficar em uma seção específica do estádio. Isso acontece no Brasil? Quando você compra o ingresso, precisa indicar para qual time está torcendo. Achei curioso, porque nos EUA não temos isso! Você pode torcer para times concorrentes, mas existe uma cordialidade. No caso desse jogo, o Porto venceu, e anunciaram que os torcedores do Manchester United deveriam permanecer em seu setor até que o restante da arena saísse.
Então eu acho que isso dá uma ideia da emoção por trás dos esportes. A falta de controle traz uma ansiedade. São muitos altos e baixos e muita emoção associada. É apenas um tipo diferente de interação e engajamento, eu diria.
Eu costumava fazer muitas pesquisas em neurociência, que é uma área que tenho muito interesse, sobre como os cérebros das pessoas respondem literalmente ao conteúdo. E presumo que, para os esportes, você provavelmente terá alguns máximos muito altos e alguns mínimos muito baixos de emoção? Acho que com os jogos de videogame, é apenas um tipo de envolvimento muito mais consistente e mais positivo no geral. Então, honestamente, esse foi um dos insights da pesquisa que foi super interessante para mim. Eu realmente nunca pensei sobre o fandom de esportes como sendo tão volátil, mas é muito volátil em termos de emoções.
Daniele Lazzarotto: estes altos e baixos fazem parte da experiência de ser um humano; por isso, vale a pena pensar sobre como isso muda no contexto de tecnologia atual. Quando eu era jovem nós costumávamos escrever cartas para nossos compositores e tudo que amávamos. Agora com a internet estamos mais conectados do que nunca, e temos espaços como fandoms onde os fãs podem se conectar. Você tem alguma ideia de como isso se desenvolveria com a IA? Existirão fandoms interagindo com IA? Já existe alguma ideia sobre isso?
Stephanie Fried: Sim, muito! Há muitas coisas que as pessoas estão tentando, estamos fazendo certas coisas para ajudar a estruturar melhor nosso conteúdo. Por exemplo, imagine como se o wiki de Star Wars tivesse mais de 200.000 páginas de conteúdo, certo? É muito conteúdo e muitas páginas, e muitas vezes alguém tem uma dúvida rápida ou quer chegar a um fato específico. Então a IA está nos ajudando a estruturar e rotular o conteúdo, para entendermos do que se trata cada página e consigamos categorizá-la. A IA nos ajuda a rotular esse conteúdo com base nos sinais da página para entender melhor do que se trata cada conteúdo, o que nos permite, então, quando um fã chegar, ter certeza de que eles veem as coisas que são mais relevantes para eles.
Essa é uma maneira de usarmos IA, mas tem outras também. Normalmente, quando alguém está jogando, em um console, na televisão ou no computador, eles ficam presos. Se eles têm uma dúvida, ou o que quer que seja, eles vão para o fandom e tem suas perguntas respondidas. Então eles voltam e, com sorte, desbloqueiam aquela coisa do jogo. A IA nos permite entender o que está na tela do jogo e ter informações em tempo real sobre o que está acontecendo com eles, para podermos responder às suas perguntas. Então acho que esses tipos de assistentes serão muito mais poderosos. É como uma experiência de co-piloto enquanto eles jogam.
E ainda tem outras formas. Muitas empresas já experimentaram isso, como um bot de bate-papo que se parece com Harry Potter ou algo assim, sabe? Ele fala na voz do Harry Potter. Eu pessoalmente acho que isso é um artifício mais como diversão e entretenimento, mas não tenho certeza se esses são os tipos de coisas que as pessoas vão experimentar uma vez ou continuarão a usar, ou interagir.
Então, acho que há vários casos de uso diferentes para IA, alguns deles realmente essenciais para a experiência e essenciais para melhorar o serviço de fãs. E alguns tipos de entretenimento são mais enigmáticos, coisas que não tenho certeza se irão persistir.
Daniele Lazzarotto: Stephanie, adorei conversar contigo. Muito obrigada, pelos valiosos insights sobre como trabalhar com fãs.