Construindo Marcas no Futuro: Entrevista com Joey Camire no Web Summit Lisboa

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Essa é a segunda entrevista conduzida por Daniele Lazzarotto, Fundadora e Diretora de Estratégia na Cordão, durante o Web Summit Lisboa 2024. A primeira entrevista está disponível aqui.

Participar do Web Summit Lisboa 2024 foi uma experiência imersiva e provocadora, repleta de aprendizados que ainda ressoam enquanto começo este novo ano. Graças à parceria com o Share, tive acesso privilegiado aos bastidores do evento e a oportunidade de realizar entrevistas exclusivas com alguns dos palestrantes mais instigantes. 

Em 2025, dou continuidade a essa jornada de aprendizados ao compartilhar com vocês a série de entrevistas realizadas no evento. Após abrir a série com Dan Gardner, co-fundador da Code and Theory, é hora de trazer um novo olhar poderoso: o de Joey, co-founder e CSO da Sylvain, uma consultoria reconhecida por sua abordagem corajosa e autêntica na construção de marcas.

Durante nossa conversa, Joey trouxe reflexões profundas sobre o papel das marcas e dos estrategistas em um cenário de rápida evolução tecnológica. Exploramos como, nesse contexto, a humanização ganha ainda mais relevância, e como as marcas podem ser agentes de transformação positiva, conectando-se genuinamente com as pessoas.

A seguir, convido você a acompanhar essa entrevista enriquecedora, onde as ideias de Joey desafiam os limites do que conhecemos e apontam caminhos instigantes para o futuro.

Reprodução: Lukas Schulze/Web Summit via Sportsfile

Daniele Lazzarotto: Algo que eu admiro muito na Sylvaine é como vocês trabalham o conceito de marcas prontas para o novo. E eu queria começar por aí. O que significa hoje ter uma marca pronta para o futuro hoje em dia? 

Joey Camire: Ser pronto para o novo não é a ideia da tirania da página completamente em branco. Invente algo, escreva algo novo, seja lá o que for. Isso soa impossível. Mas quando você está prestando atenção nas pessoas as ideias vêm até você. Quando você está saindo e conversando com as pessoas e fazendo perguntas: “do que você precisa na sua vida? O que acontece se você estiver usando este produto. Como você se sente, não está entregando? O que mais está acontecendo? O que mais poderíamos estar fazendo?”. De repente, fica tudo fácil.

Tudo o que você precisa fazer é ouvir o que alguém está lhe dizendo e então aplicar sua imaginação à opinião deles. Então é uma colaboração, em vez de, simplesmente, sentar em um quarto escuro, trancar-se até que a melhor ideia de todos os tempos, tipo, brote de você.

Daniele Lazzarotto: E é isso que você faz para estar pronto para o novo?. Existe algum molho secreto da Syllvain? 

Provavelmente há algumas áreas que acho que ajudam a nos tornar especiais. Acho que parte disso é quem está na equipe que estamos construindo, certo? Tentamos trazer pessoas de origens diferentes, experiências de vida diferentes, geografias diferentes, empregos diferentes e coisas que estudaram diferentes. Se você não construir uma cultura, um processo e uma forma de abordar o trabalho que permita às pessoas trazer o seu melhor para a mesa, então você estará operando como uma monocultura com pessoas iguais a você. Então eu acho que construir uma equipe, ambiente e uma cultura que tenha a mente aberta é algo que é genuinamente parte do nosso molho secreto.

Outro ponto é que nós de fato conversamos com as pessoas. Empresas de pesquisa tendem a ser como uma ferramenta específica que analisa apenas um aspecto realmente restrito de um problema ou desafio. E em nossa equipe temos estrategistas fazendo pesquisas. Então, eles saem e conversam com as pessoas e quando chega a hora de realmente resolver um problema sabem como integrar a pesquisa dentro de uma empresa. 

A última coisa é que fazemos trabalho de marca e fazemos trabalho de inovação – e todos os nossos estrategistas atuarão em ambos os tipos de coisas. Então você entende o que é necessário para tornar um produto bom, ou como trazê-lo ao mercado, ou como pensar sobre as experiências, os recursos ou o que quer que seja. Mas você também entende, como apresentar, conversar, comunicar e inspirar alguém. Inevitavelmente, se você desenvolve um novo produto, você tem que fazer uma marca, e se você desenvolve uma marca para o futuro, você tem que começar a pensar para onde o portfólio está indo. E acho que fazer com que eles façam as duas coisas nos torna mais eficazes. 

Daniele Lazzarotto: Eu assisti um vídeo no qual você fala sobre estar desconfortável. E você encontra uma boa reformulação para isso quando diz que o problema não é que estávamos confortáveis e sim sedentos pelas coisas erradas. Você pode elaborar um pouco mais sobre isso? 

Joey Camire: A vida não é confortável. A ideia de construir uma vida que será completamente confortável é falsa. Por exemplo, o ano passado para mim foi extremamente difícil com a morte de Alan (sócio da Syllvain). Tive que aprender tantas coisas novas e assumir responsabilidades novas e diferentes. Amanhã fará um ano desde que Alan morreu, e eu sinto que sou uma pessoa nova e maior como resultado disso. É claro que eu trocaria tudo para ter meu amigo de volta. Mas ao mesmo tempo, quando você tem essas experiências, de repente você percebe que sabe fazer muito mais coisas do que pensava que poderia. Se você não se desafia e não faz aquilo que acha que não sabe fazer, você acaba tendo uma profecia auto-realizável. 

Daniele Lazzarotto: Hoje na palestra você falou que as empresas precisam estar sedentas pelas coisas certas. Mas, onde podemos encontrar a água que a gente precisa para não ter mais sede?

Joey Camire: Ao longo dos últimos anos, tudo tem sido muito volátil. E você está sempre tendo que olhar para o próximo negócio. E quando as coisas apertam você meio que trava e fica obcecado apenas em salvar seu negócio e não pensa sobre o futuro. As coisas são mesmo difíceis, mas você precisa dar um passo para trás e pensar: o que eu estaria fazendo se essas condições não estivessem aqui? Eu estaria construindo para o futuro. Eu estaria pensando, redesenhando meus serviços. 

Daniele Lazzarotto: Eu percebo o jeito como vocês fazem as coisas na Sylvain é bastante sensível e humano. Mas todos estão sempre dizendo que deveríamos ser mais tecnológicos e usar IA. Como você se sente sobre isso? 

Joey Camire: Estrategistas precisam ter a mente aberta. Quando você está tentando resolver um problema, você tem que estar aberto à ideia de que as soluções podem vir de muitos lugares e explorar o que as diferentes ferramentas te oferecem. Mas, eu estudei neurociência e o cérebro humano é extremamente poderoso em coisas que grandes modelos de linguagem não são particularmente boas. Elas são ferramentas analíticas extremamente boas. E isso não quer dizer que o cérebro humano também não seja, mas somos melhores em fazer conexões. Somos melhores em intuição. Então eu acho que tem que ser uma colaboração. Por exemplo, existe essa ideia de centauros que foi iniciada por Garry Kasparov quando ele começou a usar algoritmos e ferramentas de IA no xadrez em colaboração com humanos. Eu sinto que deveríamos buscar esse efeito amplificador.

Daniele Lazzarotto: Você está testando alguma ferramenta de IA que gostaria de compartilhar conosco? 

Joey Camire: Sim. Eu usei muitos dos modelos mais relevantes como Gemini e ChatGPT e outras coisas. Um dos que achei realmente interessante recentemente é o produto do projeto notebook do Google. Eu acho que isso é realmente interessante do ponto de vista estratégico, porque você está construindo seu próprio pequeno datalake com qualquer informação que desejar. Então, se você estiver pesquisando, se estiver encontrando citações, se estiver encontrando estudos ou dados, você pode colocá-lo neste lugar. E uma coisa boa é que este modelo é projetado para causar menos alucinações, porque está se concentrando em quaisquer dados que você está colocando lá. 

Daniele Lazzarotto: Existe alguma empresa que você admira do ponto de vista de marca?

Joey Camire: Eu estava conversando com alguns dos caras da F1 hoje, e acho que eles meio que arrasaram nos últimos anos. Entre fazer o programa da Netflix, a forma como estão projetando os eventos, a maneira como eles foram capazes de se expandir para novos mercados de maneiras que são atraentes para novos públicos. Eles mandam muito bem.

Daniele Lazzarotto: Eu ouvi uma palestra do Alan Syllvain sobre timing – uma das melhores falas que já vi. Eu anotei esta frase: o tempo é uma ilusão e o timing é uma arte. O que está no nosso timing hoje?

Joey Camire: Essa é uma boa pergunta. Nós tivemos essa ideia no primeiro ano em que iniciamos a empresa. Tínhamos uma janela de uma semana em que não tínhamos nada para fazer. Nós pensamos, o que vamos fazer agora? Ele ficou tentando conseguir negócios sem retorno. E percebemos que só poderíamos pressionar alguém por retorno até certo ponto. Você não pode tirar alguém da zona de conforto. Você só pode empurrá-los até onde eles quiserem. Você pode construir todas essas etapas para estar pronto para quando o momento chegar. Isso é uma arte.

Mas, respondendo sua pergunta, o mundo parece ter perdido a capacidade de se conectar com outras pessoas, de exercer empatia e de tentar entender o ponto de vista do outro, mantendo uma mente aberta. Sinto que isso pode ter várias causas, e raramente uma explicação é simples. No entanto, fatores como a pandemia, o isolamento, o aprofundamento nas mídias sociais e as preocupações com a estabilidade econômica criaram um ambiente mais tenso e fechado, especialmente nas empresas. O trabalho remoto afastou as equipes, isolando-as e dificultando a integração. Estamos esquecendo que estamos criando soluções para pessoas, e, por isso, é importante manter o contato e integrar as perspectivas de todos os envolvidos no processo.

Quando se trabalha de forma colaborativa, não há ameaça nisso. Os melhores estrategistas conseguem reunir diferentes grupos, pessoas e formas de pensar para construir uma narrativa coesa. Falo em “narrativa” porque é assim que as pessoas costumam entender as situações. A questão é como integrar todas essas perspectivas para fazer uma mudança significativa. Precisamos entender o que a equipe de engenharia, a de vendas e a de produto estão buscando, e criar algo que garanta que todas as equipes se sintam ouvidas e envolvidas. Acredito que, mais do que nunca, é essencial que minha empresa desenvolva uma metodologia que posicione sua marca de forma integrada, considerando todas essas perspectivas.

O trabalho melhora quando há colaboração efetiva. Existem maneiras de colaborar de forma eficiente, e é importante deixar o ego de lado. Como sempre dizemos, devemos ser firmes no trabalho, mas gentis uns com os outros. Quando estamos criando algo em conjunto, o foco não deve ser no individual, mas no resultado coletivo. Às vezes, uma ideia pode não fazer sentido de imediato, e é preciso ter paciência para aprimorá-la. Todos devem se sentir à vontade para compartilhar ideias, mesmo que pareçam erradas no início. Isso faz parte do processo criativo, e é uma metodologia de interação que promove uma colaboração saudável e produtiva.

Daniele Lazzarotto: Então ano passado você esteve no Rio. Então, o que chamou sua atenção no Brasil? 

Joey Camire: Em primeiro lugar, foi maravilhoso. Claro que não consegui explorar todos os lugares, mas tudo o que vi foi lindo. Foi impressionante, e eu realmente gostei. As pessoas com quem interagi eram extremamente calorosas e gentis, e isso foi algo que me marcou.

Algo que percebi é que o Brasil tem uma energia jovem, uma sensação de estar em um momento de transformação. Há uma ambição cultural clara, como se o Brasil estivesse se formando para construir algo novo, com muita energia. Todos os voluntários que me ajudaram e conversaram comigo estavam entusiasmados com o que estavam fazendo, cheios de vontade de construir e criar. Essa energia é contagiante, realmente.

Às vezes, quando uma cultura está se construindo, especialmente em áreas como tecnologia, há uma chance de absorver influências de outras culturas ou cidades que já estão mais avançadas, o que pode levar a erros. Por exemplo, pessoas do Rio podem acabar indo para Palo Alto e, em vez de aprender o que realmente importa, acabam fazendo escolhas erradas. No entanto, parece que eles estavam aprendendo as lições certas, sem cair na toxicidade ou arrogância. A ideia era realmente construir, de uma forma genuína, o que era muito inspirador. Isso me lembrou de um período, entre 2005 e 2007, em que ouvíamos muito sobre essa mentalidade de construção e inovação, e eu senti que estava vendo isso acontecer de novo.

Daniele Lazzarotto: No Brasil aprendemos a fazer muito com pouco….

Joey Camire: Eu me sinto assim também. Começar um negócio é um processo que envolve tantas tarefas: configurar o site, escolher o domínio, entender as finanças, lidar com questões de RH e TI. Alguém precisa fazer tudo isso, e, às vezes, isso significa fazer sacrifícios como pegar três voos noturnos na mesma semana, porque é a única forma de dar conta. É esse desconforto, sabe? Essa sensação que você descreve, de ter que fazer o que precisa ser feito, mesmo que não seja fácil.

Isso me faz refletir sobre a forma como, às vezes, nos afastamos das dificuldades, porque achamos que é cruel ou desumano expor alguém a momentos difíceis. Mas, olhando para trás, percebo que os momentos que mais me ajudaram a crescer foram justamente os mais difíceis. Eu não queria ficar nesse lugar para sempre, mas não sei onde estaria agora se não tivesse enfrentado esses desafios. Não estou dizendo que devemos sobrecarregar as pessoas ou tratá-las mal, mas como realmente melhoramos sem passar por essas dificuldades repetidamente?

Essa é uma questão com a qual luto muito, especialmente no nível pessoal. Quero construir um ambiente onde as pessoas sejam bem tratadas, onde o bem-estar seja uma prioridade. Mas também sei que, às vezes, as coisas precisam ser difíceis para que possamos evoluir. E aí fica a pergunta: como equilibrar isso? Como fazer as pessoas crescerem sem causar sofrimento desnecessário? Não tenho uma resposta clara, mas acho que é uma linha tênue que estamos sempre tentando ajustar.

Daniele Lazzarotto: Obrigada Joey, eu amei te escutar falar. Parabéns pelo seu trabalho na Sylvain e por tantas superações pessoais feitas no último ano. Minha admiração é ainda maior por isso. Que possamos nos colocar nas situações de desconforto certas e, assim, crescer. Obrigada.

Na imagem, Joey e Dani.
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Daniele Lazzarotto
A Dani é formada em publicidade e pós-graduada em Branding pela PUCRS. Com mais de 15 anos de experiência como estrategista em grandes agências de propaganda, hoje ela é sócia-fundadora da Cordão. Sob sua liderança, a consultoria já realizou projetos de estratégia, pesquisa e branding para grandes marcas como Agibank, O Boticário, Estapar, Sicredi e Tramontina. Sua trajetória já foi reconhecida com diversos prêmios, incluindo o de Profissional de Planejamento do Ano pela ARP e Top de Marketing da ADVB.
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