Marcas e Inteligência Artificial: Entrevista com Dan Gardner no Web Summit Lisboa

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Essa entrevista foi realizada no Web Summit Lisboa 2024 e trouxe insights valiosos diretamente de Dan Gardner. A conversa foi conduzida por Daniele Lazzarotto, Fundadora e diretora de estratégia na Cordão, que trouxe um olhar profundo sobre tecnologia, criatividade e o futuro das marcas.

Depois de voltar do Web Summit Lisboa 2024, fiquei algum tempo processando todos os aprendizados e insights que pude absorver durante o evento. Graças à credencial de imprensa obtida pela parceria com o Share, tive a oportunidade de realizar entrevistas exclusivas com alguns dos palestrantes mais interessantes, com direito a 30 minutos de conversa. Aproveitei esse tempo para me aprofundar nas palestras que mais chamaram minha atenção e entender, de forma mais profunda, os temas que estão moldando o futuro das marcas e da tecnologia.

Agora, com o início de 2025, decidi dar sequência a essa jornada, trazendo para vocês uma série de entrevistas que fiz com grandes nomes do evento. Uma dessas conversas foi com Dan Gardner, co-fundador da Code and Theory, uma agência nova-iorquina pioneira na união de tecnologias emergentes e criatividade.

Durante nossa conversa, Dan compartilhou sua visão sobre como a inteligência artificial pode melhorar a criação de experiências digitais memoráveis para as marcas. As respostas de Dan foram traduzidas do inglês e levemente ajustadas para trazer maior fluidez ao texto. Acompanhe, a seguir, a entrevista completa.

Reprodução: Flickr – Sam Barnes/Web Summit via Sportsfile

Daniele Lazzarotto: Eu tive a oportunidade de ouvir sua palestra no Web Summit Rio e agora novamente em Lisboa. Nos dois momentos você falou sobre a diferença entre “transformação digital” e “transformação da experiência do consumidor” ou “transformação por design”. Eu fiquei curiosa e quero entender mais sobre este ponto. Qual a diferença entre estes tipos de transformação?

Dan Gardner: Boa pergunta. Eu comecei minha empresa em 2001, então deixe-me começar por aí. Era uma agência digital antes de haver IA, blockchain, telefones celulares e mídias sociais – e a palavra transformação não era uma palavra que usávamos. Nós apenas gostávamos de fazer coisas digitais e fazer coisas para uma internet que não existia. A palavra transformação digital de alguma forma entrou no léxico da indústria à medida que ela cresceu, mas se transformou em uma palavra vazia, perdeu todo o significado. Muitas vezes o que é oferecido é uma melhoria e não uma transformação. Este termo foi tão amplamente usado que esquecemos que, na verdade, estamos falando de transformação que, em algum nível, tem que ter uma forma de inovação e diferenciação. É preciso se transformar para fazer algo diferente.

Então, seja a palestra desta manhã ou talvez algumas das coisas que eu disse no Rio, sinto que estamos em um ponto na Internet onde não estamos inovando ou criando coisas que realmente podem ajudar as pessoas ou ajudar as empresas a se diferenciarem. Então quando penso no “CX” como um momento de transformação, especialmente no contexto da IA, acho que poderíamos simplesmente fazer as coisas diferentes. Acho que poderíamos interagir com as coisas de maneira diferente.

Veja, muitas de nossas experiências digitais hoje são boas, mas não significa que estejam nos enriquecendo. E se sou uma marca, quero proporcionar uma experiência enriquecedora para o meu cliente. E agora existe tecnologia onde podemos realmente ter uma experiência interessante. Então, quando penso em transformação, na verdade penso, como posso transformar experiências, comunicação e marketing de uma forma que possa mudar o relacionamento entre uma marca e um cliente, um cliente e outro cliente, um humano e um humano.

Há muitas maneiras diferentes pelas quais a transformação pode se manifestar, mas provavelmente não é apenas melhorar um pouco uma experiência que existe nos últimos 10 ou 20 anos. Como eu disse hoje cedo, melhorar um pouco é bom, mas não é transformador.

Daniele Lazzarotto: Da última vez que ouvi você falando, a IA ainda não era uma verdade e sim uma promessa e hoje já estamos vendo prática e casos de uso. Você acha que a IA vai atrapalhar ou nos ajudar na missão de fazer da internet um lugar mais interessante?

Dan Gardner: Olha, eu acho que a IA vai fazer muito pela funcionalidade, tornar as coisas mais eficientes, automatizar tarefas que talvez os humanos não precisem fazer, liberar o tempo das pessoas. Isso é uma coisa boa. Mas do ponto de vista CX, acredito que a melhor coisa sobre IA é que ela é uma tecnologia emocional. Ela tem o potencial de nos comunicar de maneiras que parecem mais humanas. Existe um potencial, mesmo que estejamos nos estágios iniciais disso.

Vou dar um exemplo: digamos que você seja uma marca de tecnologia que fabrica uma geladeira, e você pensa: “eu vou fazer uma geladeira inteligente”. O que uma geladeira inteligente poderia fazer? Ela pode te dizer que você está sem leite. E melhor ainda, ela poderia se conectar automaticamente ao Uber Eats e entregar mais leite porque sabe que sua família precisa de leite. Pois, sabe o quanto você consome. Portanto, ela sabe exatamente a necessidade funcional que você tem de leite. Tudo isso é legal, tudo isso é útil. Agora, e se eu tiver uma geladeira emocionalmente inteligente e em vez de ela apenas saber se estou sem leite ou se deveria pedir mais, ela saberia quem eu sou? Imagine que a geladeira pode escurecer áreas e iluminar outras porque sabe que preciso de reforço positivo para me alimentar bem. Ou sabe que outra pessoa precisa que gritem com ela para que faça a coisa certa. Todos temos maneiras diferentes de reagir e é preciso entender a gama de emoções.

Claro, isso da geladeira é um exemplo distante. Mas podemos aplicar isso a muitos produtos digitais, comunicação digital, marketing digital, seja o que for. Hoje estamos obtendo muitas coisas funcionais, mas na verdade não estamos tocando a emoção. Há uma razão pela qual as pessoas vão a psicólogos, porque precisam de um tipo diferente de perspectiva, algo que não conseguem ver sozinhas. Então, temos que pensar como podemos antecipar necessidades, desejo a desejo, de forma a mudar o relacionamento de marca para uma pessoa, de pessoa para pessoa, de pessoa para muitas pessoas, seja o que for.

Daniele Lazzarotto: E por que não estamos fazendo isso hoje? Porque não pensamos na emoção em primeiro lugar. É uma questão cultural? Como podemos realmente nos conectar às emoções e usar a internet e a IA como uma ferramenta emocional e não apenas como algo funcional. Ou seja, como a IA poderia nos tornar mais humanos?

Dan Gardner: Primeiro, temos que resolver um problema diferente. Se enxergarmos apenas eficiência vamos limitar nossos resultados. Segundo, acho que as pessoas naturalmente têm medo da mudança. E isso é uma questão da cultura empresarial que pode existir em muitas empresas. As pessoas gostam de suas rotinas, de seus hábitos e pensam que tudo sempre será como é. Mas, os jornais estiveram sozinhos no ramo das notícias por muito tempo, até que um dia não estavam mais. Bastou um Buzzfeed entregar notícias e histórias de uma maneira diferente e, de repente, interrompeu tudo.

Um dia não tivemos internet, então houve transformação da internet. Depois tivemos a revolução móvel. Aí veio a mídia social. Agora temos esta era da IA e chegamos em um ponto onde tudo é um pouco mais desconhecido. Há tantas incógnitas. Ninguém sabe para onde realmente vai – inclusive eu. Nem a pessoa mais inteligente sabe porque não se pode saber até que se esteja lá. É como se esse momento imaginativo fosse aquilo que cria a transformação.

Daniele Lazzarotto: Amei esse conceito. E existe alguma marca ou empresa que você admira hoje, que está mais perto desta visão que você tem sobre o futuro da internet?

Dan Gardner: Olha, acho que a Qualcomm está fazendo uma divulgação legal. Você deve ter visto eles palestrando e fazendo coisas incrivelmente interessantes. E, obviamente, o Snapdragon potencializa muito a tecnologia do futuro que está impulsionando muitas mudanças de CX que acredito que estão por vir. Obviamente, eu também estou trabalhando secretamente em algumas coisas interessantes. A tecnologia está aí, mas nós estamos apenas começando.

Daniele Lazzarotto: Então vamos imaginar que sou o CEO de uma empresa e quero ter certeza de que estou fazendo as perguntas certas. Que perguntas serão essas?

Dan Gardner: Oh Deus… há tantas perguntas diferentes que você poderia fazer. Número um: como ter mais intencionalidade de sua força de trabalho, qual o papel de sua força de trabalho e como ela poderia ser ativada de uma forma que pudesse ser mais significativa para seus clientes?

Como ir além da eficiência é uma pergunta que eu faria. Ainda, acredito que a IA permitirá que as organizações trabalhem mais próximas umas das outras. Então essa seria uma área em que eu me concentraria: como trabalhar mais em colaboração?

Eu também faria perguntas sobre qual é o papel da criatividade e o que isso significa. Qual é o papel humano da criatividade? E então eu tentaria identificar e ter um propósito por trás disso e depois pensar sobre os sistemas e construções que proporcionam isso.

Eu pensaria sobre como deveria ser meu relacionamento com meu cliente, e como posso usar a tecnologia digital para realmente permitir isso de uma maneira que nunca fui capaz de fazer antes. Eu poderia continuar, mas diria, como um nível superior para pensar sobre para onde o mundo está indo, não apenas sobre o que é a tecnologia hoje.

Daniele Lazzarotto: Eu sou estrategista de marca e estou sempre tentando entender o que isso significa para a perspectiva da marca e para a perspectiva do marketing. Então, o que um gerente de marca deveria estar olhando agora?

Dan Gardner: Olha, uma marca tem que se relacionar com uma história. Contar histórias é único. Mas, devo dizer que não sei o que é único e exclusivamente humano. E acredito que a tecnologia nos dirá que o que é exclusivamente humano – e não o contrário.

Contar histórias é algo que todo mundo parece desejar. Não importa o que aconteça. Todo mundo quer uma história. Então, se você pudesse programar em uma marca que possa entregar de forma autônoma histórias que sejam significativas para os consumidores, tipo, o que você faria de diferente e como seria isso? Como você poderia ser mais significativo?

Chega um ponto em que a estratégia e o significado se transformam em coisas. Por exemplo, precisamos fazer um logo, ou precisamos planejar a experiência do consumidor exatamente como ela acontecerá. Então imagine que, em vez de projetar coisas, você as programou. Imagine o que significa pensar uma marca em termos de programação ou engenharia em vez de pensar somente no design. O que poderia ser diferente?

Vamos pegar o exemplo do Pharrell Williams. Ele tem um histórico de família que remonta ao Egito e ao Faraó. Eu não sei se você o acompanha, mas ele fez uma coisa legal como diretor criativo da Louis Vuitton que ele basicamente construiu baús da marca em uma pirâmide. Isso só poderia acontecer porque ele é o diretor criativo. Sua origem era do Egito. Uma IA não poderia ter feito isso, porque não teria feito essas conexões. Não teria pensado em por que o Egito é importante para a Louis Vuitton. Isso só importou porque você colocou esse humano em um lugar que tinha uma narrativa que ligava os pontos de uma certa maneira. Isso é interessante para o papel do ser humano. Então, imagine se você fosse capaz de automatizar parte disso: programar uma marca, em vez de desenhar uma marca, fazer conexões que são significativas no dia a dia, entender com empatia todas essas conexões humanas e então adicionar histórias que podem conectar o contexto de maneiras que não fazem sentido, a menos que o ser humano esteja envolvido.

As marcas podem ser muito poderosas. Isso poderia ser o futuro de uma marca que seria totalmente diferente de tudo que já vimos antes, que pode estar ligada à cultura, à narrativa, à humanidade, à empatia e ainda assim ser uma marca dinâmica e rápida.

Daniele Lazzarotto: Agora vamos falar de negócios. Quando vendemos serviços nós precificamos coisas baseada no número de horas que um humano dedica a um projeto. Com a IA os humanos devem trabalhar menos horas. Como podemos precificar no futuro? As coisas serão mais baratas? Vamos conseguir cobrar por valor ao invés de tempo?

Dan Gardner: Hoje talvez você ganhe clientes com base em sua singularidade e ponto de vista, mas certamente você ganha dinheiro com base em seu tempo. Sim, esse é um enorme desafio que precisa ser resolvido. E não sei a resposta exata. A realidade é que tudo se resume a valor e como você extrai valor. Então, de certa forma, o setor de serviços ficará pressionado, porque se você puder automatizar parte disso e o tempo for menos importante, como poderá mostrar valor além do tempo? Para compensar a redução na forma como você está sendo pago, isso precisa ser resolvido.

Você pode olhar de duas maneiras. É assustador para uma economia de um trilhão de dólares e uma força de trabalho que valoriza o tempo e a criatividade, mas também é um momento incrível. Eu sempre quis que houvesse mais orçamento e mais tempo para meus projetos, e agora tenho tecnologia que me dá mais tempo, e talvez eu pudesse usar o orçamento de maneiras diferentes para fazer algo mais impactante. Então talvez seja a melhor coisa para a indústria criativa, e não a pior.

Daniele Lazzarotto: Então você já esteve no Brasil pelo menos duas vezes. O que chamou sua atenção enquanto estava lá?

Dan Gardner: O Rio foi interessante para mim, marcante. Vi dois mundos diferentes. Estive no Web Summit Rio e fomos para as favelas. Eu tive essa experiência quando estava lá e vi duas cidades que são tão diferentes morando juntas. Poderia falar de todo o potencial tecnológico e cultural do Brasil, mas se você quiser minha verdade honesta sobre o meu sentimento, o que ficou na minha cabeça foi a perspectiva de dois mundos vivendo no mesmo lugar.

Daniele Lazzarotto: Para a última pergunta, você tem algum conselho para empresas no Brasil considerando todas as dificuldades econômicas que temos por lá?

Dan Gardner: Quando comecei minha empresa, não tinha dinheiro. Eu estava em Nova York, mas morava em sofás. Mas existia uma coisa chamada internet, e a internet pode chegar a qualquer pessoa, e boas ideias podem chegar a qualquer pessoa. Então devemos dizer que somos limitados apenas pela nossa própria criatividade. Todos agora têm acesso ao mundo de muitas maneiras diferentes, e uma boa ideia é uma boa ideia.

E sim, é mais fácil para algumas pessoas em determinados locais. Mas, sabe, quando eu estava no Brasil, mesmo quando eu estava na favela, todo mundo ainda parecia ter um telefone, mesmo entre os mais pobres, percebi que as pessoas tinham smartphones. Fiquei um pouco curioso sobre isso, inclusive. Mas, literalmente, tinham crianças nas calçadas segurando telefones. Então, onde quer que eu vá no mundo, as pessoas têm telefones. Eles têm acesso à internet. Então o mundo será tão bom quanto for a sua ideia.

Daniele Lazzarotto: Obrigada Dan, eu amei te escutar falar. Obrigada pelo seu tempo e pela generosa partilha. Que possamos abraçar nosso lado humano para ter ideias empáticas e a tecnologia para fazê-las realidade.

Nas próximas semanas, o Portal Share trará mais entrevistas exclusivas com grandes nomes do evento, recheadas de aprendizados e inspirações para quem trabalha com comunicação e inovação. Fica de olho e não perca as próximas publicações!

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Daniele Lazzarotto
A Dani é formada em publicidade e pós-graduada em Branding pela PUCRS. Com mais de 15 anos de experiência como estrategista em grandes agências de propaganda, hoje ela é sócia-fundadora da Cordão. Sob sua liderança, a consultoria já realizou projetos de estratégia, pesquisa e branding para grandes marcas como Agibank, O Boticário, Estapar, Sicredi e Tramontina. Sua trajetória já foi reconhecida com diversos prêmios, incluindo o de Profissional de Planejamento do Ano pela ARP e Top de Marketing da ADVB.
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