Famoso de aluguel: A controvérsia do “Verificado” pago

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Em meados de 2012 o Instagram surgiu com o selo de verificação. Aquele pequeno montinho de pixels na cor azul com um check no centro. A função formal inicial foi dar uma garantia que a pessoa pública, era de fato ela mesma – diminuindo a incidência de golpes de pessoas se passando por outras. A realidade era outra: um símbolo, um ícone e um sonho que cresceu para muita gente: “Se tenho o verificado, sou importante, famoso, cheguei onde queria chegar”. O sonho se deu pelo o que esse ícone azul é? Não. Pelo que o selo diz sobre você? Também não. Pelo que você acredita que os outros vão pensar de você? Isso sim. Pela promessa de status, pela ambição intrínseca de sermos entendidos como diferentes, especiais, importantes e relevantes.

Em um mundo com mais de 8 bilhões de pessoas, mesmo em círculos e bolhas, é impossível acompanhar o que todos fazem, dizem e acreditam. Com isso, desde os rascunhos da história, se elegem representantes – esses, vistos como mais esclarecidos, persuasivos e poderosos, ditam e encaminham rumos e temas para a nossa ágora/bolha*,* seja em qualquer recorte temporal.

Colagem do Selo de Verificação com a pintura “Era de Péricles” por Phillip Von Foltz, 1853 (Representação de uma Ágora Grega).

Quase como uma necessidade “Darwinista”, nós precisamos nos sentir melhores ou em mais destaque do que outros. Lembrei da metáfora/questionamento da filosofia: “Uma árvore faz barulho ao cair, se ninguém estiver lá para escutar?”, e busquei atualizar para os dias de hoje: “Se eu posto algo e ninguém vê, eu fiz algo de valor?”. Existe uma lógica do efeito de rede (pense em todas as redes, não só as virtuais, mas coletivos de pessoas no geral), de que se não é visto, não é ouvido e consequentemente não é validado. E se não é validado pela rede, não tem “valor”.

Ninguém se destaca sendo igual à massa, busca-se então diferenciação: “Se todos fazem A, vou fazer B, ir no contra-fluxo. Assim chamo a atenção e ganho poder de fala”. A sedenta necessidade humana por validação acaba comandando relações, trocas e até a criação de conteúdo, seja ele qual for.

A partir do momento em que existem desejos, existem caminhos para seguir e regras do jogo para nos compactuarmos. Para chegarmos ao tão sonhado selo de verificação, era então esperado que o humano ambicioso crescesse em números na rede, aumentando suas visualizações, likes, comentários, compartilhamentos, salvamentos, tempo de exibição de vídeo e todas mais métricas que são levantadas pela plataforma. Muita gente dedicou horas, dias, anos, até mais de uma década para tentar crescer nas redes sociais, se tornar representante da sua Ágora e finalmente ser ouvido, importante, imponente, relevante.

O problema de buscar diferenciação, é a volatilidade do “ser diferente”. A partir do momento que se entendem as regras, as regras mudam.

A Meta criou o serviço “Meta Verified”, que chegou ao Brasil em fase de testes no dia 20 de Junho. Esse serviço permite que você assine por R$55 ao mês a performance da fama que é o selo de verificação. É extremamente tentador (para mim também).

Imaginei aqui: “trabalho tanto, mereço esse reconhecimento, tenho esse dinheiro (de tanto suar) e consigo pagar essa mensalidade.” Mas aí que parei para pensar e a bola de neve desabou.

Na economia da escassez que vivemos, se todos tem, de nada vale. Se poucos tem, vale muito. Se cartas de Pokémon antigas valem milhares de dólares, já que poucas pessoas tem (mesmo sendo um pedaço de papel-cartão ilustrado), o que não valeria poder ser visto como uma peça importante e reconhecida da sociedade? Isso vale muito – e está “barato”.

Imaginei a cena do Rei Leão de todos os animais correndo para o anúncio do Simba, da mesma forma muita gente vai correr para ter o selo.

Colagem do Selo de Verificação no Simba de “O Rei Leão”.

Porém, em toda cultura, surge uma contra-cultura em movimento contrário, da mesma forma que todo movimento de massa incita um contra-movimento: Em breve vai ser Cringe ser verificado. E você leu aqui antes.

Da mesma forma que a Gen Z posta foto borrada sem filtro uma vez a cada 6 meses no Instagram com um username ininteligível em uma ode irônica a nós que ainda queremos postar uma foto de um belo cafézinho com uma TV passando Friends, em breve ser uma pessoa pública na internet, reconhecidamente ou não, pode começar a ser visto como uma pária.

O verificado de aluguel pede dados insanamente acurados, como cópia do RG e que o nome do perfil seja exatamente igual ao do documento (o que me irrita pois eu uso um apelido que não é valido para o Meta, e me perturba bastante ao pensar das pessoas Trans que não podem usar os nomes sociais se não estiverem registrados em documento).

Nunca grandes empresas tiveram tanto acesso aos nossos dados, gostos, preferências, hobbies, hábitos e agora documentos. Ser esse livro aberto digital virou padrão, o que tornará a privacidade o novo luxo.

Dados coletados pela nova rede social da Meta, Threads.

Ainda sim, vejo uma curva de crescimento. Enquanto a contra-cultura amadurece, ainda conseguimos nos banhar de prestígio ao carregar o selo (pago ou não). Em breve, como tudo, a moeda vira, mas o “breve” ainda não chegou.

Enquanto precisarmos da avaliação e validação externa para termos um senso de relevância no mundo, vamos continuar jogando jogos impostos à nós, sem ao menos entendermos que estamos jogando. Sejo selo, a falta de selo, ou o que mais vier pela frente.

Tome água, faça terapia, e tome cuidado com o que posta na internet.

Já eu, sigo aqui tentada pelo selo azul.

Obrigada por me acompanhar até aqui! Se quiser continuar nesse papo, e queimar mais alguns neurônios, te convido a conhecer meu podcast O Neurônio! Esse episódio, em especial, conversa bastante com esse tema: “#08 Comportamento de Massa vs. Perda da Identidade”.

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Pip Seger
Fundadora, Head de Concept e Direção de Arte na agência ‘O Cérebro’, de Branding e Naming com base em 4 pilares teórico-metodológicos: Neurociência, Psicologia, Antropologia e Semiótica. 
Mestre em Psicologia Social na USP, Especialista em Branding pela IE. Business School de Madrid e Designer Gráfico formada pela Belas Artes. Professora e Palestrante. Co-host do Podcast O Neurônio.
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